quarta-feira, 21 de novembro de 2007

DESTINO

Restaurante, personagem irreal, rua, chuva, relâmpagos, tormenta, medo, táxi, hotel.
Descanso...
Beatriz adormeceu.
Sonhos, lugares conhecidos, verões agradáveis na companhia de amigos.
Formaturas, conquistas.
Viagem à Paris ao lado de Antenor. Alegrias.
Tudo se misturava com brigas diárias, rotina, desejo de fugir.
Não sabia onde se encontrava.
Uma estrada estreita, de barro vermelho surge à sua frente. Encontra-se na zona rural.
Ouve o barulho de água a correr entre as pedras. Mata verde. Ar puro.
Respira profundamente.
Pássaros cantam. Lugar calmo e convidativo.
Salta entre as pedras. Atravessa o arroio. Arrisca-se. Embrenha-se na mata. Caminha até a exaustão.
Surgem caminhos à sua frente.
Olha para trás. Não dá para retornar. Tem que seguir em frente. Que caminho tomar? Fica em dúvida, como em toda sua vida.
Sente medo. Este sentimento também é conhecido. - Droga! Tudo igual. Realidade e Sonho.
Corre, tropeça. Cai.
ACORDA!
Respiração ofegante, suor, novamente o medo. Abandono.
Levanta-se. Vai à janela. A chuva cessou.
O sol retorna tímido.
Sua esperança também.
EMBARAÇO


Desde que atendi aquela mulher no restaurante ela me pareceu perturbada.
Sua expressão ora demonstrava alegria, ora confusão com mistura de perplexidade, tal o mistério de sua face. Confesso que seus olhos chamaram minha atenção. Um azul profundo, misterioso.
O término de meu turno de trabalho coincidiu com sua saída do restaurante.
Com passos eram inseguros, seus olhos buscavam algo que ela não sabia, pois virava – se constantemente para o lado, ao mesmo tempo em que procurava algo na bolsa. Parecia querer sair do local rapidamente. Estava meio desconcertada, diferente do ar que aparentava ao entrar.
Estava calma, com o olhar ao longe como quem faz plano.
Estava tranqüila. Aproveita o momento displicente.
Quando a atendi estava com as emoções sob controle.
Em um dado momento, que não sei qual, a impressão que tive é que ela havia visto algo que a perturbara.
O que seria?Alguém indesejado? Lembrara-se de algo que a fazia sofrer?
Não sei.

Neste momento, eu a via ali, à minha frente na rua movimentada e não sabia o que fazer. Imaginava que ela precisasse de auxílio, mas não queria ser mal interpretado.



PERCEPÇÃO



Fui passar o final de semana fora. O mais interessante de tudo: sozinha. Precisava respirar. Sentia-me sufocada com tanta exigência por parte dos que me cercam. Nunca tinha feito isto. Estava feliz e temerosa. Como me sairia? Seria uma pequena prova do que é viver só. Queria sentir o gostinho da liberdade. Ou da solidão.
Não seria mais do que um final de semana.
Almocei no restaurante que me pareceu satisfatório. Bonito, boa freqüência, as pessoas falando discretamente. Não gosto de pessoas falando alto nem gesticulando em excesso.
Procurei uma mesa de canto, com boa visibilidade para o restaurante e para a rua, que eu podia ver através da grande janela.
O almoço se desenrolava tranquilamente. Depois iria caminhar para rever a cidade que me encanta. Lojas, cinemas, galerias, teatro estavam incluídos em meu roteiro de final de semana. A ordem não importava. Queria aproveitar tudo.
Meu desejo secreto: redescobrir meus gostos, recuperar recordações de outrora, reencontrar a jovem de 20 anos atrás. Quem sabe resgatar sonhos que se perderam.
Algo inusitado aconteceu.
Na mesa à minha direita percebi alguém que parecia familiar. Não lembrava quem era, se personagem de um livro ou de um filme. Talvez ambos.
Era bonita, com ar requintado, gestos comedidos e sorriso controlado. O olhar era distante, como de quem sonha.
O homem ao lado, cortês, amável, solícito, não deixava espaço para ela respirar, viver, desenvolver-se. Dava-me a idéia de um cão a lamber seu dono. Era como se adivinhasse o que ela iria fazer e se antecipava. Atitude castradora.
Soterrada em meio a tanta gentileza ela parecia sentir-se livre nos pensamentos.
O garçom dirigiu-se a ele como Dr. Carlos. Ele tratava a esposa pelo nome: Emma. Descobri quem eram. Não conseguia acreditar naquela materialização. Eu devia estar doente.
Parecia uma cena real.
Tive vontade de me dirigir a eles. Perguntar a ela inúmeras coisas. Se me respondesse talvez suas respostas me auxiliassem, mas também poderia desaparecer.




domingo, 28 de outubro de 2007

CONTO PROGRAMADO

Um homem de terno cinzento entrou na tabacaria. Mostrava pressa e falou com agressividade ao mesmo tempo que empurrava violentamente o homem atrás do balcão. Com a outra mão retirava todo o dinheiro da gaveta. Escondida no meio das prateleiras, uma pequena câmera filmava o assaltante.
O rapaz caído estendia a mão e apanhava a arma embaixo do balcão.
Havia um gato magro que miava sem parar.
O assaltante ignorando a existência da arma, ainda contava o dinheiro. Não imaginava que podia haver reação daquele homem franzino caído no chão.
Ouviu-se um estampido.
Os seus olhos arregalaram-se. Não acreditava no que estava acontecendo. Passou a mão no peito.
Ouviu-se um segundo estampido. O terno já não era mais cinza. O gato parou de miar.
A casa estava cheia de amigos, vizinhos e parentes.
Ninguém entendia como um homem correto, bom chefe de família tinha cometido aquela loucura. Todos estavam perplexos. Nada justificava aquele ato.
Começou uma chuva miúda, mas logo vieram as trovoadas, o vento, os relâmpagos.
Era uma moldura adequada para o quadro de desolação geral.

CRÔNICA

NA CONTRAMÃO



Não sou pessimista. Procuro achar um aspecto positivo em cada acontecimento baseada no dito popular de que sempre pode ser pior do que está.
Estou tentando encontrar o lado melhor da notícia que me deixou pasma, o fechamento do Cine Capitólio. Não encontrei.
Inicialmente foram as fábricas. Poderia citar de imediato uma meia dúzia delas.
Com elas foram-se milhares de empregos. O dinheiro diminuiu. Os bolsos murcharam. Só restou a esperança. Afinal, vivemos em uma cidade com muitos funcionários públicos. Somos um pólo cultural e educacional. Universidades, CEFET.
Servidores públicos ganham bem. Ganhavam! O achatamento salarial é uma realidade incontestável.
Para se adequar à realidade, começa-se cortando o supérfluo.
A tecnologia facilitou o acesso aos filmes e popularizou o DVD. Pirata é lógico.
Como imaginar que empresas de outros ramos, o do entretenimento não seriam afetadas?
Com tudo caindo por terra, só resta rezar. Proliferam as igrejas.
Surgem mais supermercados. Alimenta-se o corpo para compensar a alma desprovida de poesia.
A violência aumenta. Os malfeitores reproduzem-se em quantidade na medida em que também aumentam de tamanho. Logo, é necessário resguardar os bens. Então, mais um estacionamento aparece.
A realidade choca. Para fugir dela só resta locar um filme e ver em casa.
Qual será o próximo abalo ?

Exercício de criação-

KIKA E EDMILSON


Kika sempre foi uma pessoa curiosa. Quem a vê não imagina a sua maneira de pensar, nem suas convicções das quais não se afasta por nada.
A aparência é avançada. Fora dos padrões normais. Nos conceitos de família, vida pessoal é mais regrada. Apesar de não ter religião respeita a crença dos pais e não deseja criar maiores conflitos além das desavenças habituais pela sua aparência física, para eles muito ousada. Decidiu, então, morar sozinha. Sua situação financeira é estável. A banda já lhe rendeu algum dinheiro que guardou para realizar o sonho de comprar um apartamento. Assim poderá receber os amigos sem problemas. Seu pai não os tolera. Não pela aparência um tanto exótica, mas pelo fato de , eventualmente, utilizarem maconha. Fazem isto em qualquer lugar. Kika é contrária a este hábito. Não faz uso disto. Nunca. Não conseguiu dissuadi-los de utilizarem.
Foi uma terça-feira que foi ao encontro do corretor com quem tratou por telefone ao ligar para uma imobiliária para se informar de um imóvel que vira em anúncio no jornal. Edmilson era seu nome. Combinaram encontrar-se na imobiliária e de lá seguirem juntos para ver o apartamento.
Lá chegando foi direto na recepcionista a quem informou que desejava encontrar o corretor Edmilson.
Ele, que vinha entrando na recepção, mal olhou no rosto de Kika. A aparência “gótica” da moça não o levou a imaginar que aquela era a cliente. A voz suave não condizia com a aparência.
A recepcionista informou que a moça desejava falar-lhe.
Edmilson, sem olhar para ela informou que não poderia atender ninguém, pois estava ocupado. Sem dar atenção à cliente entrou na sua sala.
Kika já estava acostumada a ser alvo de discriminação em virtude da aparência nada convencional. Pediu licença e foi entrando escritório à dentro sem bater. Soltou de um fôlego só uma enxurrada de palavras.
_ Olha aqui seu tratante. Não me desloquei de ônibus, sem café para cumprir o compromisso agendado e chegar aqui na hora marcada, para encontrar um corretor irresponsável, bobalhão que nem na minha cara olhou e que por certo deve achar que não tenho condição de comprar nenhum apartamento. Agora quem não quer sou eu. Vou procurar outro corretor. Deve haver profissional mais educado e competente.
Virou-se e saiu com o mesmo ímpeto que entrou na sala, sem dar tempo para que ele esboçasse qualquer reação.
Passaram-se dois dias.
Edmilson achou que deveria ligar para Kika e desfazer o mal entendido. Não tivera a intenção de agir de forma preconceituosa. Afinal, ele próprio não era nenhum “Gianechinni da Globo” e sabia o que era não se enquadrar no estereótipo de beleza. O mercado de trabalho se abre para jovens, belos, altos, sarados, bem falantes e que vendem uma bela imagem. Aos demais resta um corpo a corpo diário para comprovar competência, embora esta nada tenha a ver com aparência física.
Mesmo sem intenção pisou na bola, como se diz na linguagem de futebol.
A moça não parecia muito convencida, mas aceitou as desculpas e marcaram uma nova data para examinarem o apartamento. Desta vez se encontrariam na porta do edifício. Ele já estaria à sua espera.
Assim foi feito.
Fazia questão de olhá-la bem nos olhos ao lhe falar assim tentaria desfazer a primeira impressão.
Saudou-a com um sorriso estampado no rosto.
Ainda desconfiada, Kika respondeu ao cumprimento com um meio sorriso.
Subiram.
Ele falava o tempo todo sobre as vantagens da localização do apartamento, do tipo de construção, suas características, o tipo de morador dali, as conveniências do entorno.
Até parecia bem simpático, alegre, olho brilhante. Isto chamou sua atenção. Gostou daquele brilho no olhar. Prendia a atenção das pessoas. Era como um ímã. Não conseguimos nos desgrudar. É típico de quem tem luz interior e de quem faz o que gosta.
O brilho se expande pelo rosto e nos atinge. Atrai.
A mãos, que não paravam de gesticular mostrando a grande janela com uma linda vista para um pequeno parque, eram bem cuidadas, de unhas bem limpas e, apesar dele ter uns quilinhos a mais, eram longa e bonitas. Deviam ser macias também.
Quando percebeu, ao invés de olhar cada cômodo, olhava para cada parte do rapaz que lhe chamava a atenção: os olhos e as mãos.
Ela a tratava com gentileza e atenção, bem diferente da outra vez. Estava gostando. Tanto que ao saírem do apartamento , quando ele perguntou se poderiam se encontrar novamente para conversarem melhor ela logo assentiu. Desta vez com simpatia, um aperto de mão, que ele retribuiu com um longo sorriso, um olhar mais brilhante ainda e um longo e suave beijo no rosto.
Ela gostou.
Fechou os olhos. Será que estava apaixonada ?
Não podia acreditar.

Exercício de criação

O RESGATE


Beatriz ainda estava atordoada. Não sabia como fora parar naquele lugar. Tudo muito rápido. Aqueles tipos que estavam com ela eram muito estranhos e deixavam-na mais nervosa,entretanto não fosse o choro da garota que parecia desmanchar-se em lágrimas a ponto de irritar aquele homem que permanecera de guarda à porta, não teria sido possível escaparem. Fugiram com a mesma rapidez com que foram pegos na lotação. Parece que havia uma combinação entre elas: a garota a chorar, aquele cara maltrapilho que parecia nada ter a perder jogando-se sobre ele sem preocupar-se com a arma , o professor - sim devia ser um professor, fala correta, metódico, sisudo, mal humorado melhor dizendo-a desarmá-lo e dominá-lo de imediato. A senhora que ficava no canto da sala foi ajudada pela outra senhora alegre, com sotaque carioca e pela outra que disse ter nome de flor e que eu não lembro qual. Saímos o mais rápido possível daquele sítio onde estávamos confinados a dois dias , aproveitando o momento que os outros dois seqüestradores iam verificar o local para o resgate.
Logo que saí da sala fui direto no carro que vi estacionado à sombra de uma árvore, na lateral da casa e que eles nem tiveram o cuidado de manter escondido já que a casa ficava distante da estrada. Vi que a chave estava na ignição. Entrei, gritei para todos entrarem imediatamente enquanto o mendigo terminava de amarrar o seqüestrador e o professor ligava para a polícia.

Exercício de oficina

Beatriz acompanhou com os olhos a saída de Alexandre do mar. Foi bom acompanhá-lo à praia naquele dia. Saíra da rotina e aproveitara um pouco a companhia do filho. Estava com saudade. Não se encontravam há vários dias. Os estudos dele os impedia.
Após observar toda sua performance, Beatriz disse-lhe:
- Gostaria que entendesses que ao te cobrar rendimentos nas atividades e na vida o faço porque é necessário que o caminho de cada um seja feito com responsabilidade, disciplina e também com prazer, o que dá uma certa leveza, mesmo que haja muita exigência. Quero que tenhas no trato de tuas coisas a mesma disciplina, controle, observação que tens quando praticas um esporte.
-Compreendo teu posicionamento,mas -droga,não me impõe o teu ritmo. Deixa-me fazer o que desejo à minha maneira.
Beatriz explicou-lhe que sua preocupação era quanto à sua realização profissional. Não queria que interpretasse como preocupação financeira.

sábado, 29 de setembro de 2007

NOITE DE PANDORA



-Posso ajudá-la em alguma tarefa?

-Antenor pergunta à porta da sala de jantar.

-Obrigado.Ajude-me com as flores para dar um último retoque na mesa.

Beatriz já arrumada com um vestido que sabia que lhe assentava e que Antenor gostava.

Antenor alcança-lhe as flores.

_Qual motivo de tanto cuidado?

_Resolvi fazer-lhe uma surpresa. Quem sabe podemos relembrar os velhos tempos. Jantar a dois, luz de velas, música suave, um bom vinho...

Beatriz coloca as flores no lugar desejado ao mesmo tempo que lança um olhar cúmplice para Antenor e estende a mão para acariciar seu rosto levemente.

_Não vou decepcioná-la. Já que está arrumada para uma ocasião especial, farei o mesmo.

Ao mesmo tempo em que falava, Antenor subia a escada em direção ao quarto para trocar-se rapidamente .

_Beatriz concordou com um aceno de cabeça.

Trouxe o vinho e aguardou, imaginando que aquela noite poderia se revelar uma surpresa, afinal, estava apenas começando.

Poderiam ser revividos momentos bons, como poderiam surgir coisas inesperadas, como se fosse a noite de Pandora.

Como tal, restava a esperança.

sábado, 8 de setembro de 2007

O PERSONAGEM E AS ESTAÇÕES DO ANO

O sol aparece e levanta meu ânimo. Aquece minha alma e clareia as manhãs de minha vida, tão gélidas durante o inverno. Gosto do sol como gosto da primavera. Tudo parece mais proporcional, sem exageros, dando a dimensão exata para as coisas. Temo os exageros. Podem causar grandes alegrias como também grandes dores. E estas são mais intensas. Não conseguimos arrancar do peito. Posso dizer que o outono também é belo. Bom de viver, porém não tem o encanto e o desabrochar da primavera. Esta é mais esperançosa. Prenuncia coisas novas. Induz à renovação. Já o outono nos dá um sabor meio amargo. É mais nostálgico. É como me sinto agora, no outono de minha vida. As folhas são como meus cabelos. Não tem mais o vigor de antigamente. A sensação que tenho no outono é que coisas piores acontecerão. Não gosto do frio. Assemelha-se ao meu espírito nos piores dias, quando não consigo antever nada de bom. Tenho a sensação de perda. O inverno e o verão, embora opostos me dão idéia de juventude. Ambos são plenos, intensos. Vejo neles os exageros da juventude. Inconseqüentes, irresponsáveis. Denotam coisas que podem ser avassaladoras, que podem explodir inesperadamente. Ao pensar neles revivi meus anos de juventude. Povoados de sonhos, de encantamento e também de incertezas. No verão rememorei a época em que não tinha medo de desnudar o corpo e a alma. No inverno recordei os momentos em que temerosa dos atos praticados ou na incerteza do futuro me encolhi com medo de enfrentar as agruras da vida. Acharei um momento em que conseguirei equilibrar isto tudo dentro de mim, sem exageros e sem medo e que me permita apenas viver e ser feliz?
Publicado no site: www.usinadaspalavras.com(AS ESTAÇÕES DO ANO)
Data: 2007.09.10

LÁGRIMA INÚTIL

A manhã era chuvosa, prenúncio de que o dia seria sem cor, gelado como era sua pele na manhã de inverno.
A ausência de sol deixava o dia igual sua vida: sem brilho.
Não esperava nada diferente naquele dia, até que o barulho da campainha tocada apressadamente, como se alguém tivesse pressa a surpreendeu. Atendeu.
Ao abrir a porta: Surpresa!
Era sua irmã. (Não a via há muito tempo)
Desde a morte de seu pai, encontravam-se esporadicamente. Falavam-se pouco. Viviam distanciadas. Quando se encontravam não tinham muitas coisas boas para lembrar. Só as dificuldades. Preferia esquecer.
Surpreendeu-se com o abraço da irmã.
_ O que aconteceu? Indagou. Pareces muito aflita.
Marta, entre lágrimas respondeu:
_ Estou só! Felipe partiu sem conversa, sem explicação. Só uma carta.
Tornou a abraçar Beatriz. Ela permanecia imóvel. Não estendia os braços. Não se movia. Não dizia uma palavra. Parecia longe dali.
Imaginou-se no lugar de Marta. Se acontecesse com ela? Não sabia responder. Lembrou-se de Antenor, dos abraços carinhosos de outrora, dos planos, dos risos alegres, dos filhos, dos momentos felizes, dos olhares cúmplices.
Não sabia definir o que se passava.
Lágrimas quentes, silenciosas escorreram.
Estendeu os braços. Trouxe Marta para junto de seu peito.
Há muito não chorava.
Era uma sensação estranha, mas parecia aliviada.
Sentiu que deseja um abraço, um aconchego, calor humano.
Sua pele estava quente. Seu coração parecia derreter.
Publicado no site: www.usinadaspalavras.com ( A LÁGRIMA INÚTIL)

Data: 2007.09.10

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

CORRER RISCOS

Beatriz estava decidida a cumprir o prometido a si mesma.
Fez demorada leitura dos jornais do dia, onde assinalara alguns anúncios para buscar emprego. Antenor fingia ignorá-la enquanto se aprontava para o trabalho. Com determinação foi para o computador e lá ficou por muito tempo absorvida com a tarefa.
Estava tranqüila.
Sentia que tinha tomado a decisão acertada.
Não era movida por qualquer outro sentimento que não fosse o de sentir-se útil, produtiva, dona de si, de seus pensamentos, responsável por suas ações, em síntese, viva.
Estava se sentindo mais leve, com a perspectiva de um futuro com mais auto-conhecimento de possíveis realizações profissionais, o que lhe proporcionaria satisfação pessoal, alegria de viver e paz interior.
Não devia desconsiderar que poderia não conseguir nada, seus planos não darem certo e sentir-se frustrada, mas devia tentar afinal viver é correr riscos.
Este foi o segundo passo que dera para começar as mudanças. O primeiro foi iniciar a terapia.
As sementes estavam sendo plantadas. Agora tinha que esperar que elas frutificassem. Dependia muito dela, das atitudes que tomaria para viabilizar estes projetos. Contava com a sorte também. Fez um leve sorriso. Ainda bem que um dia não é igual ao outro.

Publicado no blog. www.lacriatividad.blogspot.com

Data:2007.08.15

Publicado no site: www.usinadaspalavras.com

Data:2007.08.14

O PERSONAGEM E A MORTE

Tenho que manter muita coerência entre o que penso, digo e realizo. Será que tenho mesmo? As contradições não fazem parte da nossa humanidade?
Não posso me deixar levar por desespero nem cultivar a desesperança. É preciso manter o equilíbrio e saber aceitar momentos de dificuldades como inevitáveis. Não posso ter a pretensão de acreditar que este momento não chegaria. Ele chega para todos nós. Tinha muito medo de enfrentá-lo. Não sabia como reagiria que sentimento apareceria. Quando foi com meu pai ainda era jovem. Foi diferente. As emoções se misturavam. Era um misto de dor e insegurança, mas o futuro se descortinava na minha frente. Acreditei que o tempo me faria entender muitas coisas.
Agora, apesar da enfermidade que já se instalara e da qual eu procurei me manter afastada –pela minha incapacidade de lidar com ela- por antever a morte, percebo que fugi a vida inteira da única certeza da vida. Como outrora os sentimentos continuam misturando-se em minha cabeça(ou no coração?) Por que só penso? Por que racionalizar tudo? Devia me deixar sentir, esgotar os sentimentos até a última gota. De que? Se nem choro. Sei que devia chorar. Por que não consigo? Sei que a dor é grande. Ou devia ser?
Sinto que me arrancaram as raízes. Pairo solta no espaço.

Publicado no site: www.usinadaspalavras.com ( A MORTE)

Data: 2007.09.10

MOMENTO NARCISISTA


A vida sempre foi uma sucessão de acontecimentos a me atingir profundamente.
O que me aconteceu na infância, a enfermidade, marcou-me não só na memória, como no rosto para que eu não esqueça nunca do momento em que me olhei no espelho e não me encontrei, não me vi, não me reconheci no rosto desfigurado. Não encontrei a face que todos diziam ser angelical -eu também achava – os olhos de um azul intenso não me viam
Depois, bem mais tarde, a morte de meu pai jogou-me na dura realidade da luta pela sobrevivência.
Os amores que tive sem os desejar e os que desejei em vão.
Todos os fatos me atingem e me arrastam como objetos levados na correnteza sem qualquer proteção.
Ás vezes achamos um galho, para nos segurarmos, mas logo ele vai adiante e somos jogados de novo à própria sorte.
O tempo passa, a beleza desaparece, os amores se vão e continuamos como sempre estivemos: só. Até que o ciclo se complete.
Nascemos, vivemos e morremos sozinhos. É um processo individual, não inter-pessoal. Ninguém vai morrer em meu lugar.
Deveria me sentir feliz. Significa que me basto. O resto é cenário.

Publicado no site: www.lacriatividad.blogspot.com

Data: 2007.08.25

Publicado no site: http://www.usinadaspalavras.com/

Data: 2007.09.10

Publicado no site: http://www.textolivre.com.br/

Data:2009.04.29

Publicado no site :http://www.isabelcsvargas.blogspot.com/

Data:2009.04.30


crédito de imagem:http://www.lekasami.blogspot.com/

A HORA DA DECISÃO



Beatriz levantou da cama.
Seus passos eram decididos. Antenor não estava mais no quarto.
Abriu as janelas para o sol penetrar no aposento. Desceu. Foi até a cozinha.
Antenor lá estava a arrumar a mesa para o café.
Olharam-se.
Beatriz pediu-lhe que sentasse para conversarem. Ela, então, começou a falar-lhe de tudo que sentia, da sua insatisfação das dúvidas que a acometiam, da vontade de mudar de vida. Disse-lhe não se sentir feliz. Ele respondeu que já percebera há muito tempo.
Assegurou-lhe já ter tomado uma decisão, pois era necessário saber por que as coisas não andavam bem a ponto de ambos sentirem-se infelizes.
Falou que decidira experimentar viver de um modo diferente daquele vivera até agora, isto é, sem sua proteção. Queria trabalhar e saber se conseguiria sobreviver como toda a pessoa normal, ou pelo menos grande parte delas. Pediu-lhe que entendesse tal posição, que não interferisse, pois poderia ser melhor para os dois. Se necessário fosse sairia de casa e completou dizendo que iria procurar ajuda terapêutica. Não estava buscando outra coisa, senão conhecer-se melhor e contava com a compreensão dele.
Antenor respondeu-lhe que sentia que a partir desta decisão, qualquer previsão do futuro seria uma tolice. Assegurou-lhe que aguardaria. Talvez muitas mudanças ocorressem, inclusive com ele.
Publicado no site: www.usinadaspalavras.com
Data:2007.08.14

SONHO II INCERTEZAS


Beatriz sonhava quando acordou num sobressalto, com o barulho da porta que se abria.
Sentia-se confusa, perturbada com o sonho que acabara de ter. Sua face demonstrava a preocupação que tinha. Não queria ser precipitada nas decisões, mas também não conseguia raciocinar com clareza.
Quando Antenor entrou no quarto, percebeu nele uma aparência cansada. Depois de um dia inteiro de trabalho, isto era previsível. Seus gestos lentos, quase mecânicos demonstravam que desejava descansar. Ficou mais aliviada. Não teria de conversar nada mais sério naquele momento.
Recostou-se na cama. Fechou os olhos com a intenção de evitar qualquer conversa que gerasse novos atritos. Ele, por sua vez pensava em tomar um banho, relaxar e dormir.
Quem sabe ao acordar, conseguisse pensar melhor, ter uma conversa franca que os conduzisse a um entendimento. Só queria um pouco de paz, mais cordialidade, mais cumplicidade, daquelas que um olhar basta para entender o que vai na alma do outro. Já faz tanto tempo que isto não acontecia... Será que estaria perdendo tempo em desejar resgatar algo que não era mais possível? Seria melhor esperar. Amanhã, a luz do sol poderia ajudar clarear seus pensamentos. Talvez conseguisse colocar melhor seu sentimento sem ser repetitivo, chato, sem pedir nada.
Queria abrir seu coração. Sentia-se como um guerreiro cansado que necessitava de trégua para recompor o corpo e o espírito.
Não tinha mágoa. Nem tristeza. Era um sentimento que não conseguia explicar. Talvez um vazio imenso.
Publicado no site: www.usinadaspalavras.com
Data:2007.08.14

SONHO - INTERTEXTUALIDADE

Era uma tarde fria, chuvosa, daquelas que o frio fazia gelar até a alma.
Beatriz decidira ficar em casa, desfrutar do calor da lareira, do brilho das labaredas. Este mesmo ambiente que tantas vezes lhe parecera como uma prisão e que lhe dera a sensação de estar numa redoma, isolada do restante
do mundo, agora parecia-lhe mais acolhedor.
Estava num momento decisivo. Precisava refletir. Desejara tanto ser livre, viver só, com seus temores e suas alegrias e, no entanto, agora que tudo parecia concretizar-se, sentia certa ponta de tristeza. Ou seria insegurança? Medo?
Precisava enroscar-se na manta, sentir aquele calorzinho do fogo crepitando na lareira, sentir-se segura, abraçada, amada.
Foi aí, neste ambiente, que adormeceu na tarde fria e sonhou.
Viu-se noutro ambiente, no qual parecia ser uma estranha personagem. Mas o conflito que presenciava era o mesmo seu. Reconhecia naquela mulher a personagem de um livro que tantas vezes lera, na época que estudava literatura na Universidade. Não era outra senão Capitu, aquela que agora vivia distante, como uma exilada, isolada, em função da desconfiança do marido.
Reconhecia seus olhos, seu rosto, seu corpo, mas ao mesmo tempo, via nela a si mesma, no olhar de “cigana oblíqua dissimulada”.

Lembrou-se de terem conversado, de ter-lhe perguntado por que ela estava ali, ao que Capitu respondera que talvez ela desejasse saber era se tudo valera à pena, a mentira, a dúvida que ficara a pairar no ar, mas que ao mesmo tempo fora como uma sentença condenatória, não só para ela, mas para ambos, pois o silêncio a que se impôs atingia a todos. Enfatizou que não teria porque responder. Não adiantaria. Cada caso era diferente. Sua situação nada tinha de semelhante à dela. Cada vida se completa no seu próprio ciclo. Só Beatriz poderia avaliar o que faria dali para frente. Deveria seguir sua intuição, sua vontade, desprender-se das coisas materiais e ver o que exigia seu coração.
Foi neste momento que acordou num sobressalto, com o barulho da porta.
Ficou perturbada, pois se sentia como se estivesse conversando consigo mesmo.
A resposta teria que vir de seu íntimo.
Continuava sem saber que rumo escolher: O amor ou a segurança.

Publicado no site: www.usinadaspalavras.com

Data: 2007.08.14