sábado, 29 de setembro de 2007

NOITE DE PANDORA



-Posso ajudá-la em alguma tarefa?

-Antenor pergunta à porta da sala de jantar.

-Obrigado.Ajude-me com as flores para dar um último retoque na mesa.

Beatriz já arrumada com um vestido que sabia que lhe assentava e que Antenor gostava.

Antenor alcança-lhe as flores.

_Qual motivo de tanto cuidado?

_Resolvi fazer-lhe uma surpresa. Quem sabe podemos relembrar os velhos tempos. Jantar a dois, luz de velas, música suave, um bom vinho...

Beatriz coloca as flores no lugar desejado ao mesmo tempo que lança um olhar cúmplice para Antenor e estende a mão para acariciar seu rosto levemente.

_Não vou decepcioná-la. Já que está arrumada para uma ocasião especial, farei o mesmo.

Ao mesmo tempo em que falava, Antenor subia a escada em direção ao quarto para trocar-se rapidamente .

_Beatriz concordou com um aceno de cabeça.

Trouxe o vinho e aguardou, imaginando que aquela noite poderia se revelar uma surpresa, afinal, estava apenas começando.

Poderiam ser revividos momentos bons, como poderiam surgir coisas inesperadas, como se fosse a noite de Pandora.

Como tal, restava a esperança.

sábado, 8 de setembro de 2007

O PERSONAGEM E AS ESTAÇÕES DO ANO

O sol aparece e levanta meu ânimo. Aquece minha alma e clareia as manhãs de minha vida, tão gélidas durante o inverno. Gosto do sol como gosto da primavera. Tudo parece mais proporcional, sem exageros, dando a dimensão exata para as coisas. Temo os exageros. Podem causar grandes alegrias como também grandes dores. E estas são mais intensas. Não conseguimos arrancar do peito. Posso dizer que o outono também é belo. Bom de viver, porém não tem o encanto e o desabrochar da primavera. Esta é mais esperançosa. Prenuncia coisas novas. Induz à renovação. Já o outono nos dá um sabor meio amargo. É mais nostálgico. É como me sinto agora, no outono de minha vida. As folhas são como meus cabelos. Não tem mais o vigor de antigamente. A sensação que tenho no outono é que coisas piores acontecerão. Não gosto do frio. Assemelha-se ao meu espírito nos piores dias, quando não consigo antever nada de bom. Tenho a sensação de perda. O inverno e o verão, embora opostos me dão idéia de juventude. Ambos são plenos, intensos. Vejo neles os exageros da juventude. Inconseqüentes, irresponsáveis. Denotam coisas que podem ser avassaladoras, que podem explodir inesperadamente. Ao pensar neles revivi meus anos de juventude. Povoados de sonhos, de encantamento e também de incertezas. No verão rememorei a época em que não tinha medo de desnudar o corpo e a alma. No inverno recordei os momentos em que temerosa dos atos praticados ou na incerteza do futuro me encolhi com medo de enfrentar as agruras da vida. Acharei um momento em que conseguirei equilibrar isto tudo dentro de mim, sem exageros e sem medo e que me permita apenas viver e ser feliz?
Publicado no site: www.usinadaspalavras.com(AS ESTAÇÕES DO ANO)
Data: 2007.09.10

LÁGRIMA INÚTIL

A manhã era chuvosa, prenúncio de que o dia seria sem cor, gelado como era sua pele na manhã de inverno.
A ausência de sol deixava o dia igual sua vida: sem brilho.
Não esperava nada diferente naquele dia, até que o barulho da campainha tocada apressadamente, como se alguém tivesse pressa a surpreendeu. Atendeu.
Ao abrir a porta: Surpresa!
Era sua irmã. (Não a via há muito tempo)
Desde a morte de seu pai, encontravam-se esporadicamente. Falavam-se pouco. Viviam distanciadas. Quando se encontravam não tinham muitas coisas boas para lembrar. Só as dificuldades. Preferia esquecer.
Surpreendeu-se com o abraço da irmã.
_ O que aconteceu? Indagou. Pareces muito aflita.
Marta, entre lágrimas respondeu:
_ Estou só! Felipe partiu sem conversa, sem explicação. Só uma carta.
Tornou a abraçar Beatriz. Ela permanecia imóvel. Não estendia os braços. Não se movia. Não dizia uma palavra. Parecia longe dali.
Imaginou-se no lugar de Marta. Se acontecesse com ela? Não sabia responder. Lembrou-se de Antenor, dos abraços carinhosos de outrora, dos planos, dos risos alegres, dos filhos, dos momentos felizes, dos olhares cúmplices.
Não sabia definir o que se passava.
Lágrimas quentes, silenciosas escorreram.
Estendeu os braços. Trouxe Marta para junto de seu peito.
Há muito não chorava.
Era uma sensação estranha, mas parecia aliviada.
Sentiu que deseja um abraço, um aconchego, calor humano.
Sua pele estava quente. Seu coração parecia derreter.
Publicado no site: www.usinadaspalavras.com ( A LÁGRIMA INÚTIL)

Data: 2007.09.10

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

CORRER RISCOS

Beatriz estava decidida a cumprir o prometido a si mesma.
Fez demorada leitura dos jornais do dia, onde assinalara alguns anúncios para buscar emprego. Antenor fingia ignorá-la enquanto se aprontava para o trabalho. Com determinação foi para o computador e lá ficou por muito tempo absorvida com a tarefa.
Estava tranqüila.
Sentia que tinha tomado a decisão acertada.
Não era movida por qualquer outro sentimento que não fosse o de sentir-se útil, produtiva, dona de si, de seus pensamentos, responsável por suas ações, em síntese, viva.
Estava se sentindo mais leve, com a perspectiva de um futuro com mais auto-conhecimento de possíveis realizações profissionais, o que lhe proporcionaria satisfação pessoal, alegria de viver e paz interior.
Não devia desconsiderar que poderia não conseguir nada, seus planos não darem certo e sentir-se frustrada, mas devia tentar afinal viver é correr riscos.
Este foi o segundo passo que dera para começar as mudanças. O primeiro foi iniciar a terapia.
As sementes estavam sendo plantadas. Agora tinha que esperar que elas frutificassem. Dependia muito dela, das atitudes que tomaria para viabilizar estes projetos. Contava com a sorte também. Fez um leve sorriso. Ainda bem que um dia não é igual ao outro.

Publicado no blog. www.lacriatividad.blogspot.com

Data:2007.08.15

Publicado no site: www.usinadaspalavras.com

Data:2007.08.14

O PERSONAGEM E A MORTE

Tenho que manter muita coerência entre o que penso, digo e realizo. Será que tenho mesmo? As contradições não fazem parte da nossa humanidade?
Não posso me deixar levar por desespero nem cultivar a desesperança. É preciso manter o equilíbrio e saber aceitar momentos de dificuldades como inevitáveis. Não posso ter a pretensão de acreditar que este momento não chegaria. Ele chega para todos nós. Tinha muito medo de enfrentá-lo. Não sabia como reagiria que sentimento apareceria. Quando foi com meu pai ainda era jovem. Foi diferente. As emoções se misturavam. Era um misto de dor e insegurança, mas o futuro se descortinava na minha frente. Acreditei que o tempo me faria entender muitas coisas.
Agora, apesar da enfermidade que já se instalara e da qual eu procurei me manter afastada –pela minha incapacidade de lidar com ela- por antever a morte, percebo que fugi a vida inteira da única certeza da vida. Como outrora os sentimentos continuam misturando-se em minha cabeça(ou no coração?) Por que só penso? Por que racionalizar tudo? Devia me deixar sentir, esgotar os sentimentos até a última gota. De que? Se nem choro. Sei que devia chorar. Por que não consigo? Sei que a dor é grande. Ou devia ser?
Sinto que me arrancaram as raízes. Pairo solta no espaço.

Publicado no site: www.usinadaspalavras.com ( A MORTE)

Data: 2007.09.10

MOMENTO NARCISISTA


A vida sempre foi uma sucessão de acontecimentos a me atingir profundamente.
O que me aconteceu na infância, a enfermidade, marcou-me não só na memória, como no rosto para que eu não esqueça nunca do momento em que me olhei no espelho e não me encontrei, não me vi, não me reconheci no rosto desfigurado. Não encontrei a face que todos diziam ser angelical -eu também achava – os olhos de um azul intenso não me viam
Depois, bem mais tarde, a morte de meu pai jogou-me na dura realidade da luta pela sobrevivência.
Os amores que tive sem os desejar e os que desejei em vão.
Todos os fatos me atingem e me arrastam como objetos levados na correnteza sem qualquer proteção.
Ás vezes achamos um galho, para nos segurarmos, mas logo ele vai adiante e somos jogados de novo à própria sorte.
O tempo passa, a beleza desaparece, os amores se vão e continuamos como sempre estivemos: só. Até que o ciclo se complete.
Nascemos, vivemos e morremos sozinhos. É um processo individual, não inter-pessoal. Ninguém vai morrer em meu lugar.
Deveria me sentir feliz. Significa que me basto. O resto é cenário.

Publicado no site: www.lacriatividad.blogspot.com

Data: 2007.08.25

Publicado no site: http://www.usinadaspalavras.com/

Data: 2007.09.10

Publicado no site: http://www.textolivre.com.br/

Data:2009.04.29

Publicado no site :http://www.isabelcsvargas.blogspot.com/

Data:2009.04.30


crédito de imagem:http://www.lekasami.blogspot.com/

A HORA DA DECISÃO



Beatriz levantou da cama.
Seus passos eram decididos. Antenor não estava mais no quarto.
Abriu as janelas para o sol penetrar no aposento. Desceu. Foi até a cozinha.
Antenor lá estava a arrumar a mesa para o café.
Olharam-se.
Beatriz pediu-lhe que sentasse para conversarem. Ela, então, começou a falar-lhe de tudo que sentia, da sua insatisfação das dúvidas que a acometiam, da vontade de mudar de vida. Disse-lhe não se sentir feliz. Ele respondeu que já percebera há muito tempo.
Assegurou-lhe já ter tomado uma decisão, pois era necessário saber por que as coisas não andavam bem a ponto de ambos sentirem-se infelizes.
Falou que decidira experimentar viver de um modo diferente daquele vivera até agora, isto é, sem sua proteção. Queria trabalhar e saber se conseguiria sobreviver como toda a pessoa normal, ou pelo menos grande parte delas. Pediu-lhe que entendesse tal posição, que não interferisse, pois poderia ser melhor para os dois. Se necessário fosse sairia de casa e completou dizendo que iria procurar ajuda terapêutica. Não estava buscando outra coisa, senão conhecer-se melhor e contava com a compreensão dele.
Antenor respondeu-lhe que sentia que a partir desta decisão, qualquer previsão do futuro seria uma tolice. Assegurou-lhe que aguardaria. Talvez muitas mudanças ocorressem, inclusive com ele.
Publicado no site: www.usinadaspalavras.com
Data:2007.08.14

SONHO II INCERTEZAS


Beatriz sonhava quando acordou num sobressalto, com o barulho da porta que se abria.
Sentia-se confusa, perturbada com o sonho que acabara de ter. Sua face demonstrava a preocupação que tinha. Não queria ser precipitada nas decisões, mas também não conseguia raciocinar com clareza.
Quando Antenor entrou no quarto, percebeu nele uma aparência cansada. Depois de um dia inteiro de trabalho, isto era previsível. Seus gestos lentos, quase mecânicos demonstravam que desejava descansar. Ficou mais aliviada. Não teria de conversar nada mais sério naquele momento.
Recostou-se na cama. Fechou os olhos com a intenção de evitar qualquer conversa que gerasse novos atritos. Ele, por sua vez pensava em tomar um banho, relaxar e dormir.
Quem sabe ao acordar, conseguisse pensar melhor, ter uma conversa franca que os conduzisse a um entendimento. Só queria um pouco de paz, mais cordialidade, mais cumplicidade, daquelas que um olhar basta para entender o que vai na alma do outro. Já faz tanto tempo que isto não acontecia... Será que estaria perdendo tempo em desejar resgatar algo que não era mais possível? Seria melhor esperar. Amanhã, a luz do sol poderia ajudar clarear seus pensamentos. Talvez conseguisse colocar melhor seu sentimento sem ser repetitivo, chato, sem pedir nada.
Queria abrir seu coração. Sentia-se como um guerreiro cansado que necessitava de trégua para recompor o corpo e o espírito.
Não tinha mágoa. Nem tristeza. Era um sentimento que não conseguia explicar. Talvez um vazio imenso.
Publicado no site: www.usinadaspalavras.com
Data:2007.08.14

SONHO - INTERTEXTUALIDADE

Era uma tarde fria, chuvosa, daquelas que o frio fazia gelar até a alma.
Beatriz decidira ficar em casa, desfrutar do calor da lareira, do brilho das labaredas. Este mesmo ambiente que tantas vezes lhe parecera como uma prisão e que lhe dera a sensação de estar numa redoma, isolada do restante
do mundo, agora parecia-lhe mais acolhedor.
Estava num momento decisivo. Precisava refletir. Desejara tanto ser livre, viver só, com seus temores e suas alegrias e, no entanto, agora que tudo parecia concretizar-se, sentia certa ponta de tristeza. Ou seria insegurança? Medo?
Precisava enroscar-se na manta, sentir aquele calorzinho do fogo crepitando na lareira, sentir-se segura, abraçada, amada.
Foi aí, neste ambiente, que adormeceu na tarde fria e sonhou.
Viu-se noutro ambiente, no qual parecia ser uma estranha personagem. Mas o conflito que presenciava era o mesmo seu. Reconhecia naquela mulher a personagem de um livro que tantas vezes lera, na época que estudava literatura na Universidade. Não era outra senão Capitu, aquela que agora vivia distante, como uma exilada, isolada, em função da desconfiança do marido.
Reconhecia seus olhos, seu rosto, seu corpo, mas ao mesmo tempo, via nela a si mesma, no olhar de “cigana oblíqua dissimulada”.

Lembrou-se de terem conversado, de ter-lhe perguntado por que ela estava ali, ao que Capitu respondera que talvez ela desejasse saber era se tudo valera à pena, a mentira, a dúvida que ficara a pairar no ar, mas que ao mesmo tempo fora como uma sentença condenatória, não só para ela, mas para ambos, pois o silêncio a que se impôs atingia a todos. Enfatizou que não teria porque responder. Não adiantaria. Cada caso era diferente. Sua situação nada tinha de semelhante à dela. Cada vida se completa no seu próprio ciclo. Só Beatriz poderia avaliar o que faria dali para frente. Deveria seguir sua intuição, sua vontade, desprender-se das coisas materiais e ver o que exigia seu coração.
Foi neste momento que acordou num sobressalto, com o barulho da porta.
Ficou perturbada, pois se sentia como se estivesse conversando consigo mesmo.
A resposta teria que vir de seu íntimo.
Continuava sem saber que rumo escolher: O amor ou a segurança.

Publicado no site: www.usinadaspalavras.com

Data: 2007.08.14